O Papel do Brasil no combate ao trabalho infantil*

Demétrio Costa de Melo**
João Pessoa, 22 de janeiro de 2011
   No dia 13 de julho de 1990 foi promulgada a lei 8.069 popularmente conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Um marco legal histórico, no âmbito dos direitos fundamentais do homem.
   O Brasil é dos signatários das Nações Unidas e como tal respeita os tratados que tratam das garantias fundamentais dos Direitos Humanos, mas a grande maioria da população brasileira desconhece seus direitos. Uma das causas poderia estar associada à formação dos cidadãos: baixa escolaridade, exclusão social, baixos salários. Outra causa poderia ser o real descumprimento da legislação, uma vez que o acesso à informação leva, necessariamente, a descentralização do poder.
   Sabemos que o Brasil foi constituído para atender às necessidades das elites europeias, quando a racionalidade mercantil das navegações nos anexou aos sues domínios territoriais. Os povos e civilizações que aqui se achavam sofreram perdas de toda ordem: territorial, cultural, étnica e linguística, extermínio (para não usar genocídios, pois inúmeras tribos simplesmente deixaram de existir), logo em seguida os africanos explorados como escravos e depois abandonados a própria sorte com a Lei Aurea.
   É essa nossa herança cultural de políticas de direitos fundamentais. As elites que gestaram o território criaram condições de se perpetuarem sem precisarem incluir os indivíduos. Acredito ser uma das principais causas de resistência contra as políticas públicas “sociais” afirmativas, tais como as cotas em universidades, cotas em partidos políticos às mulheres, bolsa família, primeiro emprego, direitos trabalhistas, e tantos outros que recebem duras críticas dos partidos liberais no País.
   Não vivemos uma sociedade de pleno emprego, nos dias atuais a competitividade do mundo do trabalho é gigantesca, a cada geração que chega se exige uma maior capacidade intelectual para poder saber atuar em nossa sociedade. É aí onde o perigo se esconde. A globalização do mundo ocidental contemporâneo, baseado no alastramento do capital e da informatização, não inclui todos, o que Milton Santos (2000) denominou de “globalização perversa”, por que bilhões de pessoas nunca acessaram um “email”, nunca manusearam um “notebook” nem tão pouco um “smartphone”. A quantidade de gigabytes gerada em 2003 foi maior do que o período compreendido entre 25.000 a.C. até o ano em questão. Em 2010 o número poderá ser dez vezes maior.
   Podemos concluir que as gerações atuais e futuras deverão expandir ainda mais o cabedal informacional, deverão ler mais, estudar mais. Atualmente as famílias de classe média alta sustentam seus filhos até completarem uma pós-graduação ou um MBA nos Estados Unidos. Mas o que dizer das famílias pobres, que sobrevivem com menos de dois reais por dia para comprarem alimentos? – seus filhos crescem a margem da sociedade, são vitimadas pelo narcotráfico, pela exploração do trabalho, por uma educação de má qualidade, sem atendimento médico, sem reconhecimento de que existem.
   Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade ligada a ONU, existem atualmente 215 milhões de crianças trabalhando, sete milhões a menos que no relatório anterior. O setor com a maior concentração é a agricultura com 60%, seguida pelos serviços com 25,5% e por último a indústria com 7%.
   Dos 215 milhões de jovens e crianças envolvidas com o trabalho infantil 14 milhões estão na América Latina. O relatório destaca ainda programas de transferência de renda às famílias mais pobres, como no caso de México e Brasil, países pioneiros em programas desse tipo. Fica claro a importância das políticas afirmativas de inclusão, com destaque ao bolsa família, cujo principal objetivo é garantir escolarização básica às crianças mais carentes.
   O relatório da OIT destaca ainda que o Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento a disponibilizar fundos para cooperação internacional, principalmente no que tange as políticas entre os países de língua portuguesa, principalmente na África, que desde 2006 vem realizando transferências do programa bolsa família para os africanos. Além de projetos de cooperação com o governo dos Estados Unidos para auxiliar na redução do trabalho infantil na Bolívia, Paraguai e Equador.
   Segundo levantamento da UNICEF no período entre 1995 a 2005 o governo brasileiro investiu cerca de 6% do orçamento com educação, enquanto que 3% foram gastos com defesa. A título de comparação Portugal gastou 2% com educação e 13% com defesa, o Paquistão 1% e 20%, a Turquia gastou 10% e 8%. Tais números refletem a desaceleração na redução do trabalho infantil na Ásia (Sudeste e Subcontinente indiano), mas o continente africano ainda mantém as maiores taxas de ocupação de trabalhadores na infância e juventude.
   A educação é o eixo central do combate a exploração do trabalho infantil, para o OIT existe um déficit de quase 2 milhões de professores na educação básica, até 2015 será necessário a formação de quase 9 milhões de professores para substituírem os que irão alcançar a aposentadoria. Mais uma vez o problema maior está na África, principalmente na região subsaariana, estima-se em cerca de 4 milhões de professores para garantir a universalização do ensino básico, mas os conflitos étnicos e civis dificultam o recrutamento e formação de professores, além da reduzida disponibilidade orçamentária dos países da região.
   O Brasil juntamente com a China se tornaram doadores de recursos para o combate à pobreza e a exclusão social, no entanto o cenário político na China difere do Brasil. Vivenciamos uma ampliação de direitos com a fase de redemocratização, as políticas sociais de integração estão retirando milhões da pobreza. Na China a política de direitos humanos simplesmente não é levada em consideração, pois vai de encontro aos interesses estatais de ampliação dos investimentos estrangeiros, há milhares de fábricas, até multinacionais, que exploram abertamente o trabalho infantil, existem cerca de 348 milhões de crianças fora da escola, e a remuneração chega a ser alguns centavos de dólar por dia de trabalho.
   De maneira geral o sudeste asiático é campeão em crianças fora da escola, somente a Índia possuem 445 milhões e Bangladesh cerca de 65 milhões, o Paquistão com 70 milhões de crianças. A ampliação dos mercados consumidores nos principais países emergentes tem levado a uma intensa busca de redução de custos de produção, as despesas com mão de obra é ficam em torno de 20% dos custos, para as multinacionais os países mais pobres, tais como Bangladesh, Vietnã, Camboja, Costa Rica e El Salvador são muito atraentes para as indústrias têxtil e de alimentos, pois contam com baixos investimentos tecnológicos e retorno acelerado dos investimentos.
   Novamente o caso da Índia é o mais difícil entre os emergentes, pois a maioria da população economicamente ativa está na agricultura, gigantescamente informal e pouco produtiva. Segundo o Banco Mundial 80% dos agricultores do estado de Andhra Pradesh (que representa 50% dos agricultores do País) estão endividados, quase a metade das mulheres são analfabetas e não há escolas primárias nas vilas de Andhra Pradesh.
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   Como vimos as políticas sociais afirmativas podem vir a reduzir o trabalho infantil, e por extensão melhorar a renda nacional, pois aumenta o mercado consumidor, qualifica os trabalhadores, mantém níveis de empregabilidade e reduz os custos com saúde e previdência, tendo em vista que as formas de trabalho mais extenuantes reduzem a qualidade de vida daqueles que as exercem.
   O papel do Brasil no cenário internacional pode vir a contribuir ainda mais, não só por que em números somos uma das maiores economias, mas por que podemos ser uma sociedade mais justa, mais solidária e politicamente mais coerente.

*Artigo publicado no Jornal A Uniãopágina 02, com o título: OIT Reconhece o bolsa família, 13/02/2011
**Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba. Professor de Geografia da rede oficial do município de João Pessoa e professor na rede particular.


Referenciais Bibliográficos

FISHMAN, Ted C.. China S.A, Rio de Janeiro: Ediouro, 2006

LEI 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente. 1990, In.:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm (acessado em 22 de janeiro de 2011)

NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, Drama Infantil, p. 26, São Paulo: Ed. Abril, 2011.

OIT, Accelerating action against child labour: Global Report under the follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work, GENEVA, 2010 IN.:
http://www.oitbrasil.org.br/topic/ipec/doc/ilo_global_report_on_child_labour_157.pdf (acessado em 22 de janeiro de 2011)

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal. São Pauto: Record, 2000

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